“Alguém Tem que Ceder”, filme dirigido por Nancy Meyers com Diane Keaton e Jack Nicholson nos papeis principais, é uma comédia romântica com a previsível leveza das produções do gênero. Toca em questões importantes como a opção por viver só, feminismo, machismo, as escolhas pessoais e o amor na maturidade. As temáticas e a forma como são tratadas já são bons motivos para indicar ou ver de novo. Mas tem uma cena que sempre me toca nesta ficção de 2003. A dramaturga Erica, vivida por Diane Keaton, está concentrada no seu ofício, em uma sala aconchegante com vista para a paisagem. A câmera aberta e distante mostra a personagem de costas, sentada junto à mesa de trabalho. Ela escreve emoldurada pelo cenário interno e pela vegetação da praia que aparece nas amplas janelas.

Esta cena me inspira a escrever. Meu cenário não é sofisticado como o do filme e não consigo ficar contemplando o mar, quem sabe um dia mudo de cidade? O que me comove mesmo é o ato, a escritora em plena produção literária. Comove porque escrever é daquelas atividades que precisam entrega, a pessoa deve estar inteiramente ali. E independe da idade, escrever tem o tempo como aliado, ao contrário de carreiras no esporte e nas passarelas, sempre de curto ou médio prazos. Lembro do filme enquanto resgato minha ainda iniciante trajetória nos escritos. Um livro reportagem, participações em coletâneas de poesias e contos, oficinas literárias, prefácios e apresentações de alguns livros. Há um universo entre as ideias inspiradoras e a ação e, ao contrário do que poderia ser, para mim esses tempos reclusos não estão sendo traduzidos em produção intelectual.

Diferente daqueles tempos remotos da infância. Ainda bem menina, eu escrevia cartas. Incentivada pela minha mãe, mandava pelo Correio notícias para as tias. Naquelas épocas interioranas, nosso telefone era o 165, e, para fazer qualquer ligação, precisava chamar a telefonista. Nos idos anos 70, ter uma linha residencial custava caro e nem todos os parentes tinham telefone. Com essas restrições, as cartas ganhavam outro patamar de importância nas relações, e a vida familiar era registrada em blocos com folhas finas de papel manteiga. As cartas começavam, invariavelmente, com o cabeçalho típico: nome da cidade e data por extenso, coisa do tipo, “Cândido Godói, 20 de março de 1975”. Foram muitas e foram elas, as cartas, minha primeira experiência de comunicação textual.

Foto: Aos 16 anos, na Rádio Navegantes

Com o gosto pela leitura e escrita já revelados, me deliciava escrevendo redações e frequentando a biblioteca, no final do corredor térreo do Colégio. Havia janelas nas duas laterais, e era o lugar mais arejado do prédio, mas mantinha o inconfundível cheiro dos livros. Achava um deleite investigar títulos nas prateleiras, com centenas de publicações como as da Coleção Vaga-Lume. A expectativa pelas aulas de português da professora Leonor, confirmava essa identificação pessoal pelas Humanas. E foi assim, aos 16 anos, meu primeiro trabalho jornalístico como repórter da Rádio Navegantes, em Cândido Godói. Naquele precoce início profissional, minhas fontes eram a Prefeitura, a Emater, o Hospital Santo Afonso e a própria Escola Estadual Cristo Redentor, onde estava terminando meu Segundo Grau, o atual Ensino Médio. Eu era a voz local para transmitir fatos de interesse público, portanto, escrevia e lia notícias da minha cidade.

Troquei o rádio pela TV, que foi meu veículo por 25 anos. Texto enxuto, um minuto e meio para contar uma vida. Não dá tempo de fazer mais, em uma mídia na qual os segundos são caros e disputados. Gravava, anotava e redigia o “off”, como chamamos os textos das reportagens. Por mais de duas décadas, exercitei os escritos objetivos do telejornalismo, reportando notícias. Até que, já morando em Porto Alegre, fui provocada pelo jornalista Helio Gama a escrever crônicas sobre o cotidiano. Éramos colegas na BAND TV, e o Helio também dirigia o Jornal Oi, com circulação na capital. Aceitei o desafio e, semanalmente, assinava a coluna. Tenho todas organizadas em uma pasta, e este blog vai ser espaço também para compartilhar meus antigos artigos. Rima proposital essa! Sigo cúmplice de muitas reflexões produzidas de 2002 a 2005. Por isso mesmo, o título do espaço é “Coisas que Escrevi aos 30 e que Concordo aos 50” .

Num certo momento da caminhada no jornalismo, uma entrevista com o escritor Charles Kiefer me levou para suas oficinas literárias. Foram anos de aprendizagem, em especial sobre os contos. E de compreensão sobre as diferenças da escrita jornalística para a ficção. Com o poeta e pesquisador Armindo Trevisan, a oficina foi de poesia, doce gênero literário igual ao tratamento que este mestre dispensa aos seus pupilos. A seu tempo, ainda escrevo os roteiros dos documentários que realizo. Assim, estes Escritos Danilianos terão variados gêneros, a multiplicidade que só se adquire vivendo e, certo que sim, muito de mim.