Não é por nada que tantas mulheres estão administrando com habilidade o delicado campo dos Recursos Humanos. Cá entre nós, temos uma grande vantagem para gerenciar essa área: a permissão para chorar e deixar chorar.

Dia desses estava eu devolvendo um livro na biblioteca quando fui surpreendida por uma senhora multa: R$ 20,00 por quatro dias de atraso. Tentei argumentar, negociar, explicar, nada adiantou. Normas da casa são normas da casa. Ou paga ou não consegue mais empréstimo de material. Paguei. E chorei. Não simplesmente pelo dinheiro, mas pelo desperdício, pelo esquecimento, por não ter lido as regras da biblioteca e, principalmente, porque naquele momento o mundo parecia ter desabado. A cobrança foi a gota d’água de muitas atrapalhações. Tinha acabado de pagar multa de condomínio, perdido o óculos de grau, esquecido em um táxi a parte destacável do rádio do carro. Prejuízo em cima de prejuízo que eu aliviava naquela hora com lágrimas.

Bom que a atendente era uma mulher e que encontrei uma colega de curso para compartilhar meus sentimento. Tenho sérias dúvidas de que algum homem entenderia aquele caos pessoal. Na visão masculina, choro por “aqueles motivos” seria um tremendo exagero. A inconformidade deles teria outras formas: discussão, xingamentos ou até resignação. Mas choro em público, com gente por perto? É pouco provável.

Esse direito às lágrimas em local incerto e não sabido me parece um santo remédio. Funciona como um banho medicinal. Não há choro que não alivie um stress profissional, uma emoção forte e até o cansaço físico. Chorar nem precisa ter suas razões bem definidas. Pode ser uma mudança de rotina, um grande desafio pela frente, um banzo que aperta o peito sem origem exata, a vontade de dar uma guinada na vida, uma saudade fora de hora de algum lugar marcante ou de uma pessoa inesquecível. Pode não ser nada disso, o fato é que chorar simplesmente faz bem.

O que a gente espera nessa hora? Apenas um colo, alguém que nos ouça e diga que compreende tudo, mesmo que não entenda. Nada de críticas ou repreensão. Nem que insinuem que não é para tanto. Assim que secar o estoque de lágrimas, tudo passa e fica mais fácil resolver o que precisa ser resolvido. Essas gotas são poderosas, conseguem desembaçar nossos olhos, levar com elas a angústia e mostrar que, afinal, os problemas não são tão graves assim.

Para o Eduardo que, quando criança, argumentou com seu pai: “Homem não chora, mas menino, sim”.

outubro de 2002
Nota: R$ 20,00 não é mais uma senhora multa.